
Chegados a Tortosendo em 1949, os Missionários
do Verbo Divino celebram este ano o 60ª
aniversário da sua presença em Portugal. Ao
longo de 2009, vamos olhar para ele como um ano
de graça e reflexão.
Vamos olhar para o que
foram estes 60 anos de presença (1949-2009) e
quais os desafios e perspectivas que podemos e
devemos enfrentar nos próximos. Vamos falar
destes 60 anos através de testemunhos e textos
que nos ajudem a olhar e ver o que eles foram e
representaram para muitos de nós: verbitas,
ex-alunos e ex-candidatos, funcionários e
população em geral, sobretudo das zonas onde
estamos implantados: Tortosendo, Guimarães,
Fátima, Lisboa e Almodôvar.
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Estar mais
e ir menos
Para
um primeiro olhar sobre estes 60 anos de vida da
SVD-Portugal não
encontramos ninguém melhor e mais preparado para
o fazer que o Pe. José Hipólito Jerónimo SVD.
Ele, juntamente com o Pe. José Vaz SVD, que nos
falará no próximo número, é testemunha do que
foi a vida e presença desta instituição em
terras lusas, desde a sua fundação em 1949 até
hoje. Assim, e quando questionado sobre os
aspectos mais positivos da presença da SVD em
Portugal, ao longo destes anos, não hesita em
apontar, em primeiro lugar, o reforço da
presença missionária em Portugal. A vinda da SVD
representou um “reforço da presença missionária
na Igreja Portuguesa, e contribuiu para uma
maior tomada de consciência da dimensão
missionária da vocação cristã e do dever
missionário da Igreja”. O P. José Jerónimo
delimita esta maior influência, como é natural,
numa zona entre a “antiga estrada da Beira”
(Vilar Formoso – Coimbra) até ao Tejo. Na sua
opinião, a igreja portuguesa era então e
continua a ser uma igreja demasiado virada para
si mesma.
Paralelamente a este alargar horizontes, a SVD
“deu possibilidade a centenas de rapazes de
adquirirem um grau de formação e escolarização,
de outro modo impossível, por falta de cobertura
escolar pública e de recursos económicos das
famílias”. Isto fez-se através de três
seminários menores implantados em zonas
completamente diferentes de Portugal: Tortosendo
(1949), Guimarães (1952) e Fátima (1954).
“Trata-se de um contributo inestimável”, afirma.
De realçar ainda, segundo o P. Jerónimo a
qualidade da pedagogia usada nas três casas:
“bastante aberta” para o tempo. Também de
referir, o que era uma novidade para a época, “a
experiência e prática de uma grande unidade de
vida e de trabalho entre padres e irmãos de
diferentes nacionalidades, numa grande
demonstração de fraternidade e
internacionalidade”. Algo que ainda hoje
continua a ser uma bandeira da congregação em
todo o mundo. Aliás, e como exemplo, a pequena
província SVD-PORTUGAL, com pouco mais de duas
dezenas de membros, tem verbitas oriundos de
sete países diferentes.
Claro que 60 anos é muito tempo e paralelamente
aos aspectos positivos houve outros negativos. O
P. Jerónimo aponta como um deles “a grande
instabilidade educativa”. Foram feitas
“demasiadas mudanças de casa para casa,
demasiadas mudanças de educadores/prefeitos.
Muitos alunos transferidos de casa para casa,
num breve espaço de tempo, numa espécie de
baldeamento de ambientes e formadores numa fase
da vida em que a estabilidade, continuidade e
proximidade do ambiente familiar são/eram
factores fundamentais na formação e consolidação
da personalidade”. Um outro ponto por ele
apontado, como bastante negativo foi o
“escassíssimo contacto com a família”. “Por
exemplo, diz, entre 1949 e 1954, os alunos da
SVD em Portugal só iam a casa uma vez por ano,
durante um mês, no Verão”. E remata, “Durante
muitos anos as nossas famílias não existiram
para a SVD”. Além disso, havia uma grande
“distanciação das nossas casas das pessoas dos
lugares onde estávamos inseridos”, por exemplo,
lembra, “o seminário de Fátima era o mais
afastado da povoação Cova da Iria”.
Numa perspectiva mais abrangente, “faltou uma
política de comunicação”. Por exemplo o
Contactosvd, mais virado para fora da
instituição só nasceu na década de 1970. Houve
também uma total ausência e aposta no”apostolado
bíblico e na teologia da missão”. Diz, “em
virtude daquilo que somos deveríamos ter formado
pessoas nessas áreas, mas não fomos capazes de o
fazer”. Uma outra observação prende-se com o que
ele chama de “fragilidade quase endémica” na
aplicação rigorosa e sistemática do trinómio:
“programar, executar, rever ou ver, julgar e
agir”.
Mas os olhares, para além do valor em si mesmos,
têm a vantagem de quando honestos e feitos com
rigor também nos ajudarem a perspectivar com
maior clareza expectativas e desafios. Assim,
nesta linha de olhar para trás para ver melhor a
que nos desafia o futuro, para os próximos anos
o P. Jerónimo propõe que se crie “uma corrente
que aproxime, una e mobilize os ex-alunos e
ex-membros SVD e os membros da província”; que
como verbitas nos “aproximemos mais das
pessoas”. Enfrentar com coragem o desafio de
“sair dos muros físicos e mentais que sempre
foram uma espécie de cerca física e psicológica,
que nos separou das pessoas, ao contrário de
combonianos, franciscanos e outros”; nesta mesma
linha de pensamento devemos cultivar mais “o
estar com do que ir a ou ir até”. “Aprofundar a
nossa fraternidade e apostar na formação
bíblica, na comunicação e na animação
missionária” foram não só desafios para os
passados 60 anos, como o serão para os próximos
60. “Entrar mais decididamente na pastoral
paroquial”, é um desafio que já aí está, com
toda a premência, desde que assumimos a
responsabilidade pastoral do concelho de
Almodôvar/Alentejo, “mas não apenas como
ocupação e manutenção do status quo “.
Em que futuro
investimos?
O
primeiro aspecto positivo realçado pelo Pe. José
Vaz SVD sobre estes 60 anos de presença da SVD em Portugal é o de que ela “ajudou a
despertar a dimensão missionária e universal da
Igreja num mundo muito fechado como era o
português dos anos 40/50 do século passado e no
qual a consciência missionária se limitava à
dimensão das ex-colónias ou províncias
ultramarinas”.
A internacionalidade que a SVD tanto preza é
também vista como algo de muito positivo,
cultivado pela congregação do Verbo Divino ao
longo destas décadas de presença em Portugal.
Diz o Pe. José
Vaz que “a vinda de membros da SVD para
Portugal, oriundos de vários países europeus
(Alemanha, Áustria, Polónia, Holanda, Hungria,
Eslováquia) e do Brasil, criou essa dimensão
universalista da Igreja na consciência dos
portugueses, sobretudo nas paróquias. A começar
pelos párocos, na sua maioria de consciências
muito fechadas”.
Concretizando um pouco mais estas duas ideias, o
nosso interlocutor chama a atenção para a
fundação da casa de Tortosendo, em plena Beira
Interior, que veio despertar, nessa região, de
uma maneira mais viva a consciência missionária
e universal da Igreja até por ser também a
primeira congregação missionária ad gentes a
instalar-se aí. E, aliás, onde ainda permanece,
embora numa modalidade completamente diferente
da que assumiu, aquando da fundação em 1949.
Mas como não há bela sem senão. Ao lado dos
aspectos positivos atrás referidos, também houve
alguns negativos. Um desses aspectos “talvez
tenha sido a falta de inculturação das diversas
gerações de formadores/educadores, cuja
identificação com a cultura portuguesa raramente
se concretizou ou foi deficitária. Terá sido
–diz – a razão do fraco sucesso com as vocações,
apesar dos grandes investimentos realizados e do
elevado número de alunos que passou pelos
seminários menores da SVD, aqui em Portugal”.
Nesta linha de avaliação crítica, um outro
aspecto negativo apontado pelo Pe. José
Vaz pode ter sido
“a exclusividade ou centralidade colocadas na
promoção vocacional, esquecendo outras
dimensões”. E continua, “parece que viemos só
para colher, sem querer semear. Veja-se, a
título de exemplo, a relutância dos diversos
capítulos provinciais em assumir outras
actividades pastorais, para alem dos seminários
menores. Caso típico as paróquias”. As primeiras
assumidas pela província portuguesa SVD foram já
na década de ’90 do século passado
(Almodôvar/Baixo Alentejo).
A forma como se fez o encerramento dos
seminários menores é também apontada como um
aspecto negativo. Diz ele, “o encerramento
abrupto – ainda que inevitável – dos seminários
menores, sem se ter pensado ou preparado
minimamente qualquer outra alternativa,
precisamente para aquela que era a actividade
única dos verbitas a trabalhar em Portugal foi a
meu ver negativo”. E complementa, “alternativa
no campo vocacional, entenda-se! Não se
prepararam novos formadores para as novas
exigências e experiências e os que vinham dos
seminários, sem outras alternativas, andaram por
aí anos a fio à deriva. E num tom revelador dum
certo desencanto, “tenho a impressão de que
foram anos de vazio, anos de recessão, para usar
o termo da moda. Não havia horizontes. Mesmo
outras opções apontadas para o tempo pelos
capítulos gerais – opção pelos pobres, promoção
do laicado, animação bíblica, animação
missionária, nunca foram, naquela altura,
assumidas e interiorizadas pela SVD-PORTUGAL, a não
ser por algum franco-atirador”.
Olhar para o passado sem tentar vislumbrar o
futuro torna-nos amargos e negativistas. Não é
essa a ideia que perpassa pelo discurso do nosso
entrevistado. Quando lhe pedimos que nos falasse
das expectativas e desafios que se colocam à
SVD-PORTUGAL responde-nos com clareza: “parece-me
que há inquietação e se está no bom caminho
pelas opções feitas”.
Assim, agora há que ser consequente “feitas as
escolhas/opções pela actividade pastoral em
paróquias há que assumi-las com toda a
convicção, como opções preferenciais, como se
fez antes com os seminários. Não pode ser só
para dar alguma ocupação aos confrades. Para tal
é indispensável investir todos os recursos
disponíveis, particularmente os humanos e bem
preparados”. Claro que isto exige coragem e
coerência.
Uma outra observação apontada pelo Pe. José
Vaz tem a ver
com a questão do cunho mais ou menos verbita das
nossas paróquias. Diz ele, “tenho ouvido a
discussão e participado nela, sobre se pode e
deve existir uma paroquialidade com carisma e
espiritualidade SVD mesmo em contexto diocesano.
Tenho observado divisão de opiniões, por vezes
profunda. Pessoalmente inclino-me para que esse
carisma seja possível e necessário, sobretudo se
a paroquialidade for levada e conduzida por uma
equipa e não por indivíduos”.
Numa outra dimensão, mas ainda enquadrada nas
perspectivas de futuro da província, lembra ser
“necessário não perder de vista a promoção
vocacional”, embora lhe pareça que “já se
desistiu dela por completo”. E pergunta-se,
“poderá haver futuro, mesmo que considerando-nos
terra de missão venhamos a trazer para cá muitos
confrades de outros continentes?” Como aliás já
está a acontecer actualmente com a casa de
formação em Lisboa. E continua a questionar:
“Num tempo em que tanto se apela à
auto-suficiência, apesar do nosso universalismo
missionário e da inter-culturalidade, podemos
cair no zero absoluto, quanto a vocações? Não
será isto imitar outras províncias SVD da
Europa, que declararam a sua própria sentença de
morte? Este creio é/será o grande desafio para a
SVD-Portugal, nos próximos anos”. Talvez o maior
desafio...
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