O nosso grande missionário São José Freinademetz disse uma vez; «A maior tarefa do missionário é a transformação de si mesmo». Esta frase parece radical e ir contra a noção popular da missão humanitária de hoje em dia. Uma missão considera-se fracassada se não se conseguiram os objectivos num determinado período de tempo. Diz-se que se cumpriu uma missão ou que ela teve êxito quando no final ficamos satisfeitos.
Entre os deslocados
Um ano depois da minha chegada à Libéria, fui destinado a dirigir escolas para o maior e mais povoado campo de Gente Deslocada Interna na Libéria (GDI). Ali vivem cerca de cem mil pessoas em sete acampamentos. Cerca de 15 mil estudantes frequentam oito escolas. Com muito pouco conhecimento das pessoas e da situação assumi esta responsabilidade e este desafio.
Pediram-se que cuidasse que as crianças não faltassem à escola, que os professores estivessem activos, que houvesse material básico de estudo e que as escolas funcionassem da maneira mais normal possível.
A imagem dos campos de refugiados e deslocados é familiar para muitos de nós. São lugares deprimentes. A minha experiência anterior num campo de refugiados ensinou-me que as pessoas têm a capacidade de se adaptar e crescer neste ambiente. Mais ainda, num campo de deslocados as crianças têm a oportunidade de ir à escola, as pessoas podem assistir a aulas de alfabetização para adultos e aprender diferentes ofícios oferecidos pelas organizações não governamentais (ONG) e pelas agências das Nações Unidas (ONU).
As pessoas mais traumatizadas e deprimidas que encontrei foram os jovens e os adultos. Eram agressivos, rudes e violentos. Os adultos viviam as suas vidas marcados pelo humilhante abandono das suas casas, estavam perdidos e desenraizados das suas comunidades. Mas era interessante ver como as crianças em geral eram felizes. Para elas os campos eram grandes terrenos de jogo. A impressão geral é que um campo de refugiados é um lugar seguro. Mas a vida dentro do campo pode ser muito violenta. Com frequência abusa-se física e sexualmente das mulheres e das crianças, que são explorados por outros membros da família ou pelas autoridades. O roubo é um grande problema. A vida não é segura no campo, nem mesmo quando este é protegido pela Força de Paz da ONU.
Criar um ambiente de seguro e pacífico no terreno escolar nos acampamentos de deslocados é uma arte. São necessárias muitas actividades de entretenimento para atrair as crianças à escola. Para mim foi uma experiência gratificante ver as crianças cantar e dançar, jogar e participar nas actividades organizadas pela escola comunitária. Com frequência notava-se que quando as crianças eram felizes, também os pais o eram e a comunidade permanecia em paz.
Suehn Mecca
Em finais de 2005, comecei um novo trabalho. Fui acompanhar e ajudar os retornados do distrito de Suehn Mecca, no condado Bomi, num programa de repatriação organizado pela ONU. De repente os campos esvaziaram-se. As pessoas começaram a procurar uma vida nova. Como o JRS (Serviço Jesuíta de Refugiados) decidiu ajudar os liberianos mesmo depois de deixarem os acampamentos, decidi assumir um novo serviço e colaborar em novos projectos que tinham a ver com o desenvolvimento e consistiam principalmente em construir escolas e abrir centros agrícolas. A tarefa consistia em mobilizar as pessoas e fazê-las sentir que os projectos eram delas mesmas. Viver com gente que viveu com o mínimo nos acampamentos de deslocados não é fácil.
Tardei em dar-me conta de que já não havia mais refugiados ou deslocados. Foi uma grande luta fazê-los entender que eles eram os agentes de desenvolvimento das suas próprias comunidades. A bênção que tive foi contar com uma equipa dinâmica que me ajudou neste meu novo trabalho. Embora às vezes tivesse que lutar, as coisas foram avançando. E sente-se uma grande satisfação quando se vê os edifícios escolares terminados e as crianças de volta às escolas, quando as pessoas estão ocupadas construindo casas, quando homens e mulheres estão a trabalhar nos campos e ganhando o pão de cada dia.
A nossa presença no distrito de Suehn termina em finais de Fevereiro. Está já em marcha a entrega dos projectos (construção de escolas e de centros agrícolas) às comunidades. Muitas ONG estão já a terminar os seus projectos e a deixar o país. Mas, falando pessoalmente, a Libéria necessita ainda de muita ajuda para o desenvolvimento do país e investidores que criem trabalho e produzam bens, para que possa ser economicamente estável.
Como o país progride, chegou para mim o momento de partir. É triste deixar a gente para trás, inclusive na Libéria, uma país destruído e ferido que me deu a oportunidade de encontrar energia e entusiasmo no meio da miséria e da destruição para ajudar ao desenvolvimento das pessoas.