A minha última missão desempenhei-a nos Montes Nuba, uma região do Sudão que faz fronteira com o Darfur, onde as atrocidades humanas estão a provocar aquilo que a comunicação social chama “genocídio lento”. Para fugir ao desespero do Darfur, as populações saem à procura de um local mais seguro do outro lado da fronteira. Aos campos dos Montes Nuba vêem-se chegar em massa mulheres, crianças, jovens e homens. A maior afluência dá-se durante a estação seca, que decorre entre Dezembro e Maio, época em que as estradas são mais praticáveis.
Os Montes Nuba são só a primeira etapa de um longo trajecto para os deslocados de guerra chegados do Darfur. Uma esmagadora maioria continua a avançar para outros destinos que lhes oferecem uma maior segurança de sobrevivência humana. Quem pode aproveita um avião humanitário para voar mais longe, talvez até ao Quénia! E são muitos os que o conseguem.
A paz voltou ao Sudão em Janeiro de 2005, formalizada pela assinatura do Acordo Compreensivo de Paz (CPA) que pôs fim às hostilidades de uma guerra de 21 anos, entre o Norte e o Sul. Este acontecimento trouxe aos sudaneses uma nova brecha de vida e de esperança, embora o optimismo de uma paz duradoura continue muito vacilante. As populações dos Montes Nuba estão a tentar vencer a crise de fome e de extrema miséria que lhes foi imposta pela lei da guerra. Desde a assinatura do acordo de paz existe uma maior estabilidade na região, que lhes permite dedicarem-se ao cultivo dos campos e à pastorícia.
No Sudão falta quase tudo: vias de comunicação, transportes públicos, escolas, hospitais, meios de comunicação, água para consumo, energia, etc. Mas pior ainda é a ausência massiva de profissionais para assumir responsabilidades na política, no ensino, na saúde, na construção civil e noutras áreas de extrema urgência, para a reconstrução do país no pós-guerra. As carências reflectem-se ao nível das profissões mais básicas. O sul do Sudão debate-se com a falta de mecânicos, carpinteiros, pedreiros, entre outras profissões. A tarefa de construção das infra-estruturas está quase exclusivamente a cargo das Organizações Não-Governamentais (ONG) nacionais, internacionais e da Igreja local.
Desafios à Igreja
Os anos de guerra não permitiram uma presença assídua e contínua dos missionários e do clero local no meio do povo Nuba. Durante um período muito longo a fé dos cristãos e a formação religiosa permaneceu viva somente através da acção evangelizadora dos catequistas. Alguns deles tiveram que enfrentar o martírio e outros foram perseguidos e torturados. O catequista Paulo Shalo é um modelo da vitalidade de uma Igreja sem padre, hoje muito estimado no seio da comunidade cristã pelo seu fervor, pela sua dedicação e contributo à Igreja local. Durante a longa ausência dos missionários, o catequista Paulo Shalo procurou manter viva na fé não só a comunidade cristã mas também os catequistas que ele mesmo ia formando para colaborarem com ele na grande tarefa da evangelização. Paulo Shalo é para a comunidade cristã um pai na fé; os cristãos dirigem-se a ele chamando-o com o apelido, Padre Paulo.
Além da assinatura do Acordo de Paz entre o Norte e o Sul do Sudão ter facilitado a ida de alguns missionários para a região dos Montes Nuba, a Igreja continua a debater-se com uma grande escassez de clero e de religiosos que dêem resposta às múltiplas necessidades da comunidade cristã. É nesta realidade de Igreja que a comunidade das Irmãs Missionárias Combonianas, formada por cinco irmãs, desenvolve a sua acção evangelizadora. As irmãs dedicam-se em particular ao ensino escolar, à assistência aos doentes, à formação de catequistas e de líderes e a assuntos de justiça, paz e reconciliação.
Esperanças para a Igreja
A Igreja nos Montes Nuba é uma Igreja jovem. Não obstante as carências de formação cristã a todos os níveis, os jovens são quem assumem e levam por diante grande parte das actividades dentro da própria comunidade cristã. Na celebração litúrgica do domingo são na sua maioria os jovens quem enchem os locais de culto e participam activamente nas celebrações. Vejo o futuro da Igreja nos Montes Nuba nas mãos dos jovens, no seu entusiasmo, na sua fé e na sua grande alegria de serem cristãos. As escassas missionárias e missionários presentes na vasta diocese não têm mãos a medir para poderem dar resposta às muitas e variadas necessidades da Igreja. “A messe é grande e os operários são poucos; pedi ao Senhor da Messe que mande operários para a sua Messe”.